Entrevista a Carla Pedro
Ex-Vereadora (em regime de não permanência) da Câmara Municipal de Aguiar da Beira
(+) Considera que as mulheres continuam sub-representadas na política, nomeadamente nas autarquias locais, em Portugal, apesar da Lei da Paridade?
C.P. Sim, apesar da “Lei da Paridade” em Portugal, que visa garantir a representação equilibrada de homens e mulheres nas listas eleitorais para cargos políticos, as mulheres ainda estão sub-representadas na política, especialmente nas autarquias locais.
Embora a lei tenha contribuído para um aumento significativo da participação feminina em várias esferas políticas, incluindo o parlamento, a realidade nas autarquias locais é um pouco mais complexa. Existem ainda barreiras estruturais e culturais que dificultam o pleno aproveitamento do potencial feminino. A representatividade das mulheres nas autarquias locais não é proporcional ao seu peso na sociedade, e as mulheres continuam a ocupar, em maior número, cargos de menor visibilidade e poder, como, por exemplo, as vice-presidências ou as posições de assessoria.
Além disso, muitas mulheres enfrentam desafios relacionados com a conciliação entre a vida profissional e pessoal, uma vez que as tarefas familiares e domésticas, ainda em grande medida, são atribuídas a elas. Essas responsabilidades adicionais podem dificultar o seu acesso e permanência em posições de liderança política.
Portanto, embora tenha havido progressos importantes com a Lei da Paridade, a efetiva igualdade na política, sobretudo nas autarquias locais, ainda precisa ser mais trabalhada, considerando não apenas a quantidade de mulheres em cargos, mas também as condições para que possam exercer funções de liderança de forma equitativa.
(+) Considera que no Concelho de Aguiar da Beira se não fosse a Lei da Paridade dificilmente haveria mulheres nas três primeiras posições (ou em lugares de destaque) nos órgãos das autarquias locais?
C.P. É bastante provável que, sem a Lei da Paridade, a presença de mulheres nas três primeiras posições ou em lugares de destaque nos órgãos das autarquias locais de Aguiar da Beira fosse mais difícil de alcançar. A realidade política em muitos concelhos, especialmente em áreas mais pequenas ou rurais, pode ser mais conservadora, com estruturas e mentalidades que historicamente favorecem a liderança masculina.
A Lei da Paridade, ao obrigar uma representação equilibrada de homens e mulheres nas listas eleitorais, tem sido um mecanismo importante para garantir a inclusão feminina, ainda que, muitas vezes, as mulheres sejam posicionadas em lugares de menor visibilidade ou influência, como ocorre em alguns lugares. Contudo, em concelhos como Aguiar da Beira, onde as dinâmicas locais podem ser mais tradicionais, é possível que as mulheres não tivessem conseguido alcançar as posições de destaque ou liderança nas autarquias sem a pressão legal para garantir a sua presença.
(+) Quais os maiores desafios/barreiras que as mulheres enfrentam na política? E quais os maiores desafios/barreiras que encontrou enquanto mulher autarca?
C.P. As mulheres enfrentam diversos desafios e barreiras na política, e muitos desses obstáculos são comuns em diferentes contextos e países. Desafios/barreiras enfrentados pelas mulheres na política:
Estereótipos de género: existe uma perceção arraigada de que a política é um campo dominado por homens, o que muitas vezes leva à desvalorização da liderança e das opiniões das mulheres. Mulheres são frequentemente vistas de forma estereotipada, como sendo “menos preparadas” ou “menos agressivas” para a política.
Violência política de género: muitas mulheres enfrentam ataques sexistas, assédio e até ameaças de violência. Isso inclui a desvalorização de sua aparência, sua vida pessoal ou suas capacidades profissionais, de forma a desqualificá-las.
Falta de redes de apoio: mulheres frequentemente não têm acesso às mesmas redes de apoio e conexões políticas que os homens, o que dificulta seu acesso a posições de poder e influência.
Desigualdade de acesso a recursos: em muitos casos, as mulheres não têm o mesmo acesso a financiamento de campanhas, media ou visibilidade, o que pode limitar suas oportunidades de sucesso político.
Conciliar vida profissional e pessoal: a carga de trabalho doméstico e o cuidado com a família continuam a recair mais sobre as mulheres, o que pode dificultar sua participação plena na política, uma área que exige tempo e dedicação.
Sub-representação: as mulheres ainda estão sub-representadas nos cargos políticos de alto nível, o que significa que suas preocupações e perspetivas nem sempre são consideradas de maneira adequada.
Desafios encontrados por mulheres autarcas: desvalorização do trabalho, mesmo sendo eleitas para cargos de poder, mulheres autarcas muitas vezes enfrentam um tratamento condescendente, com sua autoridade sendo desafiada ou desvalorizada por colegas homens, eleitores ou mesmo pela comunicação social.
Isolamento: a falta de exemplos e modelos femininos em cargos de liderança pode gerar um certo isolamento. Mulheres podem se sentir sozinhas ou sem apoio em um ambiente predominantemente masculino, o que pode resultar em dificuldades para criar alianças ou colaborar eficazmente.
Pressão para se provar: muitas mulheres autarcas sentem a pressão de ter que “se provar” mais do que os homens, o que pode resultar em stress adicional e uma cobrança por desempenharem suas funções de maneira impecável.
Desafios de comunicação: mulheres políticas frequentemente enfrentam uma pressão desproporcional para se expressarem de maneira “suave” ou “agradável”, enquanto os homens são mais aceites quando adotam uma postura mais assertiva ou até agressiva. Isso pode prejudicar a eficácia da comunicação de mulheres autarcas.
Desafios financeiros: mulheres podem ter mais dificuldades em arrecadar fundos para suas campanhas ou projetos, o que pode ser um obstáculo significativo para o sucesso político, principalmente em comunidades com menos recursos.
Esses desafios não são universais e podem variar dependendo do contexto político e social, mas, em geral, são obstáculos significativos que mulheres enfrentam ao tentarem navegar na política, principalmente em níveis locais ou de liderança.
(+) Na sua perspetiva, que medidas poderiam aumentar a participação feminina na política?
C.P Aumentar a participação feminina na política exige um conjunto de medidas estruturais, sociais e culturais que possam quebrar as barreiras históricas e sociais que ainda limitam o acesso das mulheres a cargos de poder. Algumas dessas medidas podem incluir:
Implementação de quotas de género: a introdução de cotas de género para garantir uma representação de mulheres em partidos políticos, asseguram que as mulheres tenham uma participação mínima garantida, ajudando a corrigir a sub-representação histórica e estimulando a inclusão.
Promoção de um ambiente político mais inclusivo e acolhedor: é importante criar um ambiente que favoreça a participação plena das mulheres na política. Isso pode envolver, por exemplo, políticas de igualdade de género nos partidos, espaços mais seguros e inclusivos, e a criação de comissões ou redes de apoio dentro das estruturas políticas. Criar programas que favoreçam a participação política feminina, desde a escola até a universidade, pode ser fundamental para cultivar um interesse precoce pela política. A organização de fóruns de debate, simulações de parlamentos e outras atividades podem despertar o interesse e a confiança das mulheres jovens para que elas se envolvam mais na política no futuro.
Apoio financeiro e logístico: o financiamento de campanhas é uma das grandes barreiras para as mulheres entrarem na política, pois muitas vezes elas não têm os mesmos recursos que os homens. Políticas públicas que incentivem ou mesmo financiem campanhas eleitorais femininas podem ser um passo importante para equilibrar a balança.
Desafiar estereótipos e promover uma cultura de liderança feminina: investir em campanhas de conscientização que combatam os estereótipos de género que desvalorizam a liderança feminina é crucial. Além disso, promover modelos de liderança feminina em todas as esferas, não apenas na política, pode encorajar mais mulheres a se envolverem.
Educação e capacitação: a formação e o empoderamento das mulheres para que se sintam seguras para ocupar posições políticas é essencial. Programas de capacitação, mentorias e redes de mulheres que já estão na política podem oferecer o conhecimento e o apoio necessário para que se sintam preparadas para se lançarem na esfera política.
Conciliar política e vida pessoal: a criação de políticas públicas que ajudem a conciliar a vida política com a vida pessoal e familiar das mulheres, como horários flexíveis, incentivos à licença parental compartilhada, creches e apoio no cuidado com a família, pode permitir que mais mulheres se possam dedicar à política sem sacrificar suas responsabilidades familiares.
Desafiar a violência política de género: é fundamental criar uma legislação que proteja as mulheres de assédio e violência política de género. A implementação de leis que combatam esses abusos pode garantir um espaço mais seguro para mulheres exercerem sua função política.
Incentivo ao protagonismo feminino desde a base: aumentar a presença de mulheres em cargos de liderança nas comunidades e nas organizações locais também pode ser um caminho para garantir que mais mulheres se sintam capacitadas e dispostas a dar o passo seguinte para cargos mais altos na política. Programas que incentivem a participação das mulheres na vida comunitária podem criar uma base sólida para sua entrada na política.
Apoio e reconhecimento de lideranças femininas: reconhecer e destacar o desempenho e liderança, deve ser um passo importante para inspirar outras mulheres a seguir o mesmo caminho.
Exemplos de boas práticas e parcerias internacionais: analisar boas práticas de outros países que implementaram políticas eficazes para aumentar a participação feminina e estabelecer parcerias internacionais pode ajudar a encontrar soluções inovadoras e adaptáveis para o contexto local.