Entrevista a Rita Mendes Ex-Vice-Presidente da Câmara Municipal Aguiar da Beira
(+) Considera que as mulheres continuam sub-representadas na política, nomeadamente nas autarquias locais, em Portugal, apesar da Lei da Paridade?
R.M. Efetivamente, as mulheres portuguesas continuam em desigualdade no exercício de cargos políticos. Mas, ainda assim, a realidade de hoje, é positivamente diferente da existente há duas décadas. A Lei da Paridade, aprovada em 2006, obrigando à representação mínima de ambos os sexos (33%), foi, em boa verdade, o instrumento que impulsionou a aproximação das mulheres (género menos representado) às decisões políticas. Não provocou, ainda, é certo, a igualdade efetiva na participação de homens e mulheres (50%/50%), mas passados 18 anos conseguimos que, no mínimo, 40% das mulheres portuguesas participem nas listas para as eleições dos deputados à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu e dos órgãos das Autarquias Locais (sem prejuízo dos 40% serem a percentagem mínima para ambos os sexos).
Pela mesma lei, assiste, ainda, a cada género a colocação de candidatos (no mínimo um) em cada três candidatos consecutivos, na ordenação daquelas listas, implicando que as mulheres (pelo menos uma) passassem a ter lugar entre cada três candidatos seguidos da lista.
Embora não sendo diversa a participação das mulheres na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, as eleições autárquicas comprovam que, na maioria dos órgãos, são as elas que representam a quota mínima (40%), cabendo o grosso dos cargos aos homens.
Verificando-se igual desproporção na ordenação das mulheres nas listas – ocupando maioritariamente os lugares mais distantes. O que justifica, desde logo, a superioridade de presidentes da câmara homens.
Apesar das desigualdades, considero que o caminho já percorrido e a perceção publica e publicada inequívoca sobre o desajustamento da representação feminina face à preparação e qualidade políticas já reconhecidas favorecerão a participação espontânea das mulheres e o reforço do seu papel no exercício da política.
Há uma expressão interessante da ex-presidente do Chile e Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que me parece dizer muito sobre a importância da participação da mulher na vida política e que gostaria de aqui partilhar: “Uma mulher na política, muda a mulher. Muitas mulheres na política, mudam a política”.
(+) Considera que no concelho de Aguiar da Beira se não fosse a Lei da Paridade dificilmente haveria mulheres nas três primeiras posições (ou em lugares de destaque) nos órgãos das autarquias locais?
R.M. Na verdade, acabaria sempre por tornar-se mais equilibrado o destaque de mulheres nas listas de candidatos aos órgãos autárquicos de Aguiar da Beira. Considero que a Lei da Paridade precipitou a tendência. Tendência que vingaria pela proporção acentuada das mulheres, proximidade e representação social – são residentes em maior número, mais atentas e disponíveis para os problemas de terceiros, mais habilitadas por norma, mais versáteis profissionalmente e predominantemente associadas a atividades sociais locais com impacto nos assuntos e necessidades das famílias (educação, saúde, apoio social e cultura, sobretudo).
Também, pela perceção pública das capacidades das mulheres e da confiabilidade a elas dirigida para gestão e solução de assuntos que impactam na vida das pessoas, nas instituições e nas comunidades.
Naturalmente que importa juntar aqui o envolvimento, a capacitação e a disponibilidade crescentes das mulheres para assuntos de política – resultado da evolução das suas aptidões pessoais e sociais, do interesse que dedicam a determinadas áreas da governação, da proximidade e do mediatismo da atividade política local e nacional, do aprofundamento da militância feminina e da informação partidária, da experiente participação cívica e da evolução do sistema da proteção social que lhes facilita a conciliação da vida familiar com a atividade política. Portanto, seria inevitável a envolvência de mais mulheres e a sua notoriedade política em Aguiar da Beira.
(+) Quais os maiores desafios/barreiras que as mulheres enfrentam na política? Na sua perspetiva, que medidas poderiam aumentar a participação feminina na política?
R.M. Considero que as mulheres conservam por razões históricas/culturais desafios maiores.
A Lei da Paridade foi, como já referi, foi determinante para mobilizar e aumentar a intervenção política das mulheres, traduzindo esta efetivo impacto na qualidade das políticas públicas e da democracia (favorecida pela superioridade académica e das competências, pela sensibilidade e empatia particulares das mulheres e pelos traços emocionais e afetivos mais vincados).
Ainda assim, sobra caminho para os políticos atuais e futuros – homens e mulheres – aprofundarem e avançarem na participação conjunta e totalmente igual de uns e outras na política, no âmbito da atual Lei da Paridade que dá margem para práticas políticas e partidárias mais consonantes com a representatividade feminina, sem ferir as quotas fixadas (bastando inverter os atuais níveis de participação política dos dois géneros, com vantagem para as candidatas (numericamente e na ordem na lista). Ou, através de outro modelo legal que confira, de forma consequente e comprometida, a igualdade das mulheres na participação das decisões que promovem e servem o interesse público e a prosperidade das comunidades, do país e da democracia.
Particularmente, ambiciono, por justiça a nós mulheres, que muitas mais, necessárias, continuem a servir e a engrandecer os propósitos e os valores da política, mas não por imperativo da lei ou elevação da respetiva quota. Preferencialmente, e sempre, pelo benefício que lhes decorre do reconhecimento social da sua valia política, do respetivo empoderamento, da motivação e inspiração permanentes e da distinção concedida às suas contribuições.
Introduzo aqui, por oportunidade da sucessão das discussões e acusações políticas dos tempos e protagonistas recentes, fatores igualmente sensíveis para a afirmação das mulheres na política, representados por sentimentos de desconforto pessoal perante a diabolização e a suspeição generalizadas da classe e outros de embaraço para si e/ou para a família potenciado por exposição pública infundada e persecutória da titular do cargo ou pela sua associação a situações de enredo, abusivas – a que já todos assistimos – para simples aproveitamento político dos adversários.
(+) E quais os maiores desafios/barreiras que encontrou enquanto mulher autarca?
R.M. Como ex-autarca reconheço que as minhas atribuições públicas e o meu exercício político ao longo de seis anos nunca foram beneficiados, prejudicados, reconhecidos ou subvalorizados em função de ser mulher. As responsabilidades políticas que recebi e a minha autonomia para a sua execução foram fundadas na confiança política do Senhor Presidente da Câmara. No mais, não conheci, de todo, outros favorecimentos ou desfavorecimentos no tratamento globalmente dispensado ou nas condições colocadas para desempenho do meu trabalho autárquico.